Desde o início a devoção a Nossa Senhora das Lágrimas sempre teve o acompanhamento da Igreja, no caso, a mística Irmã Amália de Jesus Flagelado, sempre teve ao seu lado o auxílio espiritual e paternal de Dom Francisco de Campos Barreto. Algo que não passa desapercebido aos que leem a obra “Irmã Amália e a devoção a Nossa Senhora das Lágrimas”, escrita pela senhora Rita Elisa Sêda, e publicada pela Editora Imaculada, é o profundo respeito e obediência que tanto a Irmã Amália, quanto a Madre Maria Villac e as demais irmãs que compunham a comunidade do Instituto Missionárias de Jesus Crucificado, tinham pelo senhor Bispo.
Em tudo obedeciam sem questionar. Vendo nele um sinal amoroso de Deus a guiar o Instituto e nas orientações acerca das revelações místicas que a vidente recebia de Maria e Jesus. Tal respeito, obediência e acolhimento para com o bispo parece um tanto quanto em desuso pelos devotos recém-chegados. Esta constatação não é difícil de ser exemplificada. Basta dispormos de um tempo para assistirmos a alguns vídeos e lermos alguns comentários nas redes sociais, onde aqueles que propagam a devoção a Nossa Senhora das Lágrimas se colocam em campo de ataque contra o Papa Francisco, os bispos e padres.
Um risco que corremos, e este risco é muito sério, é fazermos da devoção, do movimento ou do apostolado a nossa “paroquiazinha”. Quanto isto ocorre nos fechamos apenas em nós mesmos e naquilo que acreditamos ser a única fonte da verdade que absorvemos daqueles que compactuam com o nosso modo de pensar e agir. Um apostolo, um movimento, uma devoção que se torna uma “paroquiazinha” enclausura-se no seu próprio quintal e consegue enxergar até onde seus olhos alcançam: a saber, o muro que separa seu território eclesiástico pessoal do vasto campo maior que é a Igreja fundada por Jesus Cristo.
Quando olhamos para o passado e buscamos nas fontes verdadeiras, constatamos que origem da devoção a Nossa Senhora das Lágrimas estava intimamente ligada à vida espiritual e pastoral do Instituto das Missionárias de Jesus Crucificado. Uma devoção que não busca nas suas origens a razão do seu existir se fecha em si mesma e cria um mundo à parte desvinculado da essência original.
A vida da fundadora Maria Villac “foi marcada pela bondade, mansidão e sensibilidade com as pessoas que sofrem”[1]. Dom Barreto escrevendo ao Papa Pio XI, traçou o rosto pastoral do Instituto por ele fundado: “[…] que se ocupa com grande proveito da Igreja e das almas, em fundar centros de catecismo nos lugares mais difíceis da cidade, em visitar famílias pobres e suspeitas de infiltração herética e que não sabem cumprir os seus deveres religiosos, em visitar os doentes para preparar os mesmos a receberem os sacramentos, em visitar e catequisar nas prisões e asilos e casas de caridade onde não existem Irmãs religiosas em dirigir escolas profissionais femininas, em trabalhar a favor da boa imprensa e outras necessidades religiosas e sociais que pediram o seu zêlo.”[2]
Irmã Amália de Jesus Flagelado, mesmo sendo agraciada com as revelações místicas jamais deixou de lado o campo pastoral, solo fecundo de evangelização. Sua vida espiritual teve sempre como meta o auxílio pastoral aos necessitados, reconhecendo nos sofredores o corpo chagado de Cristo. Os Estigmas que lhe causavam grande dor e êxtases profundos não a fecharam em si mesma, mas também os comtemplava nos irmãos e irmãs necessitados. No ano de 1966, A Cia Fabril de Juta, instalada na cidade de Taubaté fechou as portas e com isto muitos pais de família ficaram desabrigados. Diante deste contexto grave Irmã Amália decidiu fundar um lar de caridade, como nos relata Rita Elisa Sêda: “A missionária Amália, mesmo doente, não deixava de pensar e lutar pelos mais necessitados. Continuou seu trabalho junto aos pobres, e, sonhava com essa casa onde pudesse abrigá-los”[3].
Ficar com apenas uma parte da devoção pode ser até confortável espiritualmente falando. Mas a devoção vai além do conforto espiritual, ela nos põe a caminho. Desvincular a devoção a Nossa Senhora das Lágrimas da vida espiritual e pastoral da Irmã Amália de Jesus Flagelado é nos aprisionarmos em uma “paroquiazinha” que nos isenta de sermos na sociedade “sal da terra e luz do mundo” (Cf. Mt 5,13-16). Dom Barreto jamais desejou um Instituo fechado em si mesmo, mas que estivesse unido a Igreja, espiritual e pastoralmente. Falar e anunciar a devoção das Lágrimas fora do contexto é criarmos uma devoção apenas voltada para o nosso próprio eu. Nem toda boa intenção é santa. Na obediência a Igreja e a Dom Barreto, Irmã Amália nos ensina o caminho da obediência e da docilidade. Uma devoção sem ação é uma armadilha do império infernal.
Pe. Flávio Sobreiro
[1] Site do Instituto das Missionárias de Jesus Crucificado. Acesso em 04 de outubro de 2023.
[2] Sêda, Rita Elisa. Irmã Amália e a devoção a Nossa Senhora das Lágrimas. 1ª ed. São Paulo: Editora Imaculada, 2022. Pág. 47-48.
[3] Idem. Pág. 476